Os
Contos de Manfer
AS
COMADRES
A minha avó Dona Francisca Rosa, como
naquele tempo não havia electricidade na sua aldeia de gente pobre, não havia
nem rádio nem televisão, ela tinha apenas uma grafonola muito antiga, daquelas
de dar à manivela.
Assim, o serão era quase sempre
preenchido com as histórias, os contos e as lendas da aldeia de Vila Nova,
contadas pela minha avó.
A história das comadres foi uma das
que muito contadas ainda me lembro e vou contar: Havia lá próximo duas famílias
abastadas mas o resto da aldeia eram casebres onde moravam os trabalhadores, mas
eram todos muito pobres e só tinham a riqueza de uma rusga de filhos. Até dos
casebres pagavam uma renda quase sempre por troca de uns dias de trabalho todos
os meses. Toda a gente trabalhava de sol a sol.
Estas
comadres eram muito amigas mas tinham vidas bem diferentes: uma delas era
viúva, tinha dois filhos pequenos e pertencia á classe dos mais pobres, mas era
muito alegre e da sua casa ouviam-se os risos e cantares das crianças.
A outra comadre era muito rica, tinha marido,
filhos e muitas riquezas, mas na sua casa apalaçada, não havia alegria nem
cantos nem rizos. Viviam cheios de arrelias e pressas com medo que chovesse e
as colheitas se estragassem, ou não houvesse tempo para tratar de todos os seus
campos, ou fossem ter prejuízos com a venda dos animais, etc., não tinham tempo
para mais nada.
A Comadre Rica cozia o pão, e quem peneirava a
farinha e amassava o pão era a Comadre Pobre, que era paga com uma gamela do
rolão da farinha que tinha amassado.
Um
dia a Comadre Rica pensou em não pagar o trabalho da comadre pobre e então,
depois do pão estar amassado, a Comadre Rica disse para a Pobre: - Olhe
Comadre, tenha paciência! Mas hoje não lhe posso dar o rolão que me faz falta
para engordar os animais que quero levar á feira!
-
Não faz mal nenhum e me hei-de governar! Disse-lhe a Comadre Pobre.
Como
os filhos estavam cheios de fome e não tendo outro sustento senão a galinha
velha que estava guardada para um caso de doença, resolveu fazer com ela uma
canjinha. Como isso era comida de dia de festa muito especial, foi convidar
Nosso Senhor à Igreja da freguesia.
Nosso
senhor respondeu-lhe: - Vai andando que já lá vou ter depois de tirar os
paramentos. E a Mulher foi. Os filhos impacientes queriam comer, mas a Mãe
aguardava a chegada de Nosso Senhor.
Entretanto
bateu um pobre à porta do casebre, e a comadre dá-lhe um prato de canja.
Nosso
Senhor tardava a chegar e os filhos da Mulher que já estavam com muita fome
pediam para lhes dar o comer ao que ela respondia: só quando vier Nosso Senhor!
Então
outro pobre bate à porta do casebre e disse que tinha fome! Mais outro
pobrezinho! A Comadre dá-lhe outro pratinho de canja.
Então outro pobre bate à porta e disse que
tinha fome! Mais outro pobrezinho! A Comadre dá-lhe também um bom pratinho
de canja.
Os
seus filhos cheios de impaciência e á espera…
-Mas
o que é isto? Os pobrezinhos nunca aqui vêm! Exclamava a Comadre admirada!
Como
a demora fosse muita, volta á Igreja e diz a Nosso Senhor se pode vir porque as
crianças tem fome
-Eu
Já lá fui! Estive como Pai, como Filho, e como Espirito Santo! Volta para a tua
casa que nada te vai faltar!
Quando
ela chegou ao casebre tudo se tinha transformado numa casa muito grande e
cheias das maiores riquezas.
A Comadre Rica soube do acontecimento e ficou
com tanta raiva e ódio que nesse dia quem pagou foram os filhos e os pobres
animais, tanta pancada lamberam. Mas querendo saber como tudo se passou foi
fazer uma visita á Comadre, que lhe explicou tudo!
-Ai
sim?! Pois eu vou fazer um grande banquete!
Mandou
matar patos, galinhas e perus e cozinhar grandes pratos, e foi convidar Nosso
Senhor!
-Já lá vou ter! Disse Nosso Senhor!
As
crianças já queriam comer, mas a Comadre não lhes deu nada e fê-los esperar.
Bateram á porta por três vezes, três
pobrezinhos, mas foram corridos á vassourada!
-Não
queriam mais nada! Cheirou-vos! Respondeu ela ao pedido dos pobres!
Como
estava farta de esperar, lá foi á Igreja falar novamente com Nosso Senhor, não
fosse alguma coisa correr mal e Ele lhe respondeu:
-Já
lá fui! Como Pai, como Filho, como Espírito Santo!
E
tu nada me deste! Vai para a tua casa e daqui para o futuro ficarás pobre!
Quando
chegou a casa, a Comadre Rica já nada tinha, pois tudo tinha desaparecido.
Algum
tempo depois na aldeia toda a gente dizia que quem socorreu a Comadre Rica foi a
grande caridade da Comadre Pobre.
Manfer
®
Torres
Novas, 20/05/2015
Foto: Net