Os Contos de Manfer
A CASA DO CARVÃO
Na minha aldeia, havia uma velha
tradição de que todo o povo gostava. Era o teatro, principalmente o teatro de
revista, que durante muitos anos era feito pelo povo da aldeia e, dizia o meu
pai, que muita gente da vila de Torres Novas bem como da cidade de Tomar, iam
lá assistir às representações.
O meu pai também dizia que essa
tradição acabou no ano de 1941, devido a um grande ciclone que destruiu a casa
do teatro, que por acaso até pertencia a um tio da minha mãe, e só se salvou o
pano de Boca de cena, pano esse que foi guardado.
O meu pai fez parte de uma tuna de
instrumentos de cordas, que tocava e cantava nas récitas que nesse tempo se faziam
nesse teatro.
Eu ainda aprendi com o meu pai, que era
um tenor, algumas das canções que faziam parte dos espectáculos das revistas
que eram exibidas em Lisboa, e que eram copiadas e representadas lá na aldeia
pelos “artistas” da casa.
Entretanto, eu cresci e ganhei asas e,
aí pelos meus
dezasseis anos de idade, andava a estudar
no Colégio Nuno Álvares em Tomar, e colaborei com o Padre Abílio Franco na
constituição de um grupo cénico, para recuperar as tradições de teatro da
aldeia.
Formado o grupo cénico com rapazes da
freguesia, e como na aldeia não havia nada, pedimos uma casa emprestada que nos
foi cedida.
Era uma antiga casa de carvão que era
produzido numa destilaria contígua mas que estava há muito tempo inactiva.
Deitámos as mãos à obra, mas estivemos
mesmo para desistir, dada a grande quantidade de carvão de que o chão e as
paredes de pedra à vista, continha. O que nos valeu foi que mais gente apareceu
e ajudou nas limpezas. Terminadas as limpezas, tivemos de arranjar o palco e,
depois aplicámos o velho pano de boca que ainda existia do antigo teatro, e um
novo teatro apareceu à luz do dia.
Várias peças foram encenadas e o teatro
voltou à vida durante algum tempo. O grupo cénico conseguiu-se aguentar durante
alguns anos, fez récitas até em algumas localidades vizinhas, mas com a ida dos
rapazes para o serviço militar e também pelo aparecimento das guerras no
ultramar e porque não apareceu mais ninguém e tinha, entretanto, surgido a Televisão, o nosso grupo desfez-se.
Eu, ainda deixei ao meu irmão mais
novo, que se tornou em bom tocador de viola, todos os papéis das peças que
representei, mas as circunstâncias da vida com o falecimento do nosso pai, toda
a família foi viver
para Torres Novas e, a ligação à nossa aldeia ficou
à distância, e quase terminou.
A casa do carvão foi devolvida ao dono
e o teatro terá terminado para sempre na minha amada aldeia de Soudos.
Manfer
®
Torres Novas, 6/6/2015
Foto: Net